FIQUEI SEM VOZ. AFÔNICA. UMA ROUQUIDÃO QUE ESMAGA MEU PEITO QUANDO TENTO ME EXPRESSAR E COLOCA MEUS OLHOS PARA LACRIMEJAR.
Eu sei bem por onde andei para conquistar esta falta. Peguei um tantinho de chuva, combinado a um sol de lascar na cabeça no dia seguinte em um evento aberto, o início de uma dieta um tanto restritiva e um final de semana no meio do mato, com sereno, fogo na lareira e temperaturas mais baixas do que o previsto, sem o casaco extra, aquele que a mãe sempre manda levar – e que quando a gente não mora mais com a mãe, a gente esquece mesmo. Foram três dias até que o ruído me abandonasse de vez, aos pouquinhos. Mas não, essas não são as causas deste lugar em que me encontro, dão apenas sal e pimenta ao quadro.
Por volta dos meus 20 e poucos anos, enfrentei seis meses sem falar. Surgiu um calo em uma das minhas cordas vocais, o que era estranho, já que, normalmente, calos são bilaterais. Investigaram câncer, recomendaram fonoaudióloga três vezes por semana, mudei minha rotina, meus hábitos, minha alimentação, e me mantinha em silêncio. Repouso, eles diziam. Em algum momento de ansiedade comum a processos longos, implorei para que operássemos de uma vez por todas, o que me foi provado que seria ineficiente. Afinal, eu deveria aprender a falar antes. Senão, a deformidade regressaria. Respirar era o truque. Respirar. E não gritar, principalmente, em grandes multidões.
Veja só, 10 anos depois, cá estamos. Torcendo para uma laringite, mas sabendo que quem não fala não cura. A teoria não é minha, não. Surgiu detrás de um charuto sob o conceito de psicanálise de Freud. Ou seja, deixar o paciente divagar sobre ideias, memorias e sonhos, ressignificando e aprendendo a conviver com o passado e visualizando o futuro para aliviar sintomas de neurose, depressão e ansiedade. Há uma década eu descobri que a minha voz não saía porque eu não falava. Não era o reverso. Guardava sentimentos, vontades, angústias, dúvidas, que de tanto implorarem para sair, aglomeraram-se em uma fila sem regras, daquelas que nos separam da porta do metrô, entre um jogo de ombro e um olhar focado no trem. Embolaram-se. E nada mais saiu dali. Precisei reaprender a falar – literalmente – e psicologicamente.
Fiz a “mea” culpa e reparei que as condições climáticas dos dias recentes foram só a desculpa perfeita para um silêncio que vinha me acompanhando há meses. Era a deixa para a voz preparar a mochila e cair no mundo: “tô fora!”. Por isso, resolvi escrever sobre o tema, que é para testar se ela me lê por aí e volta. Percebe o meu esforço entre hidratação, exercícios vocais e cura pela escrita. Que é o que me sobrou para o momento. E para que este texto não fique narcisista ao extremo – já basta de Sigmund me julgando, por ora – provoco: já falou hoje? Que ama. Que tem raiva. Que não quer. Que quer muito. Que cansou. Que sente saudades. Que quer ajuda.
Falar cura.
Por: Fernanda Pandolfi