A maioria das crianças brasileiras vive, hoje, em dois extremos: de um lado, temos crianças que, por uma situação de carência, são obrigadas a pular a infância e a trabalhar para ajudar os pais, seja vendendo alguma coisa nas ruas ou cumprindo tarefas domésticas. De outro, temos crianças que, justamente por possuírem pais que dispõem de recursos financeiros, são obrigadas a frequentar inúmeros cursos e atividades para prepará-las para o futuro. Ou, ainda, são alvos de uma indústria comercial que vende diariamente, e com um marketing agressivo, todo tipo de produto ou brinquedo, seja pelos vídeos em plataformas digitais, seja pelo apelo aos infantes em prateleiras de supermercados ou lojas. Nos dois casos, a infância, que já é tão curta, pode ficar ainda menor, podendo gerar prejuízos ao desenvolvimento integral da criança.
Vivemos, inegavelmente, em uma sociedade de hiperconsumo. Somos cercados de publicidades dizendo, o tempo todo, que precisamos consumir novos produtos e serviços para sermos felizes e realizados. E, apesar de poder ser eticamente questionável, essa prática não é errada de acordo com nossas leis. Mas, como se não bastasse reforçar para adultos essa ideologia consumista, parte da indústria ainda tenta passar isso para crianças.


A brincadeira faz parte da infância, e qualquer pessoa que conviva com crianças, decerto, sabe que elas conseguem transformar qualquer coisa em diversão: um galho seco que caiu de uma árvore pode ser uma poderosa varinha de condão, assim como aquele lençol esticado, com algumas almofadas, torna-se uma cabana. Pedrinhas e sementes, em um copo, viram um incrível instrumento musical. Um saquinho de proteção de talheres vira um balão, etc.
Crianças têm uma capacidade imaginativa ilimitada. Aliás, a partir dela, a brincadeira e o brincar livre se constroem naturalmente, se deixarmos. Sem distinções sociais, econômicas, de gênero ou regionalidade, o brincar é inegavelmente necessário à infância.

Uma recente pesquisa do “Programa Criança e Consumo”, realizada pelo Instituto Alana, revelou que o impacto ambiental gerado pelo excesso de consumo de brinquedos e suas
embalagens plásticas são resultado de um ciclo complexo, que começa ainda na publicidade infantil, despertando o desejo de possuir determinado brinquedo, mas sem a devida percepção sobre um consumo consciente.
A sobrecarga de exposição publicitária desperta na criança a insaciedade de possuir todo tipo de novidade. Além do acúmulo de plásticos e pilhas dentro de casa, há falhas no descarte, o que vem contribuindo para o acúmulo desastroso de resíduos no meio ambiente.
Um dos principais dados da pesquisa mostrou que 90% dos brinquedos produzidos são mundialmente feitos com algum tipo de plástico que, segundo o World Wide Fund for Nature (WWF), pode permanecer no meio ambiente por até 500 anos.Além disso, só 9% do plástico que é produzido é, de fato, reciclado.
Para o sociólogo e mestre em psicologia Alexandre Borges, a compra de brinquedos contínua e sem limites cria, no imaginário da criança, o sentimento de que tudo está ao seu alcance, basta pedir aos pais. Este acúmulo sem consciência alimenta, no sujeito, desde pequeno, um sentimento de associação de bemestar pela ação de “comprar coisas” dispensáveis no dia a dia.
Esse é o ritmo frenético da indústria, que impõe, cada vez mais, o consumo, através da criação de pseudonecessidades que não têm fim - fora que, em caso de divórcios, às vezes, os presentes são formas de alienação ou “compras” e “compensações” dos filhos. Portanto, mais do que presentes no dia da criança, precisamos estar e se fazer presentes da vida das crianças, possibilitando, assim, a criação de crianças e futuros adultos conscientes.