Você terá mais bolsos do que no verão, mais esconderijos para condicionar as moedas, as chaves, o celular, a carteira.

Aliás, uma das maiores alegrias só acontece no frio, ao encontrar alguma cédula perdida em um casaco no armário.

Você caminhará lentamente, olhando mais para o chão, dificilmente tropeçará em laje solta.

Você se mostrará mais esperto com as esquinas, a fim de evitar a chave de braço do minuano bandido.

Você partilhará bergamotas como demonstração de afeto, estendendo gomo por gomo e ficando com o cheiro da casca na pele.

Você será capaz de imprevistas gentilezas. Oferecerá o seu agasalho para a esposa, como se fosse uma manta repentina aos ombros.

Você festejará o chuveiro quente, festejará a avalanche de edredons sobre o corpo, festejará a possibilidade de dormir de conchinha.

Você passará a sentir uma profunda saudade da avó, reaproximando-se do tricô, da bolsa de água quente, das pantufas.

Você realizará piqueniques no quarto, trazendo tudo o que precisa numa única saída até a cozinha.

Você puxará assunto com qualquer pessoa, falando do tempo, da chuva, da garoa, da queda de temperatura. Criará intimidade com estranhos pela superação em comum dos efeitos climáticos.

Você não se preocupará mais com as janelas limpas, não terá o que fazer com os respingos e poeira. O negócio é esperar passarem os piores meses.

Você se tornará amigo do vinho, do conhaque, do gole forte para acordar a garganta.

Você aquecerá as mãos segurando uma xícara de café ou de chá.

Você poderá ser um mendigo por baixo das roupas, vestindo uma meia sobre a outra, recorrendo a abrigo ou ceroula.

Você fará juras no vidro traseiro embaçado do carro.

Você colocará luvas que combinem com as botas.

Você empregará todo o seu charme para convencer o seu par a levar o cachorro a passear.

Você experimentará o namoro de esquimó no sofá com cobertor e pipoca.

Você vai corar ao contar uma mentira. A vergonha aparecerá mais nas suas bochechas.

Você terá invasão dos filhos na hora de despertar.

Você se verá num camarote da vida quando arrumar um lugarzinho na frente da lareira.

O inverno é uma maravilha para o amor e para a preguiça.