Acessei este conceito no livro “A gente mira no amor e acerta na solidão”, da psicanalista Ana Suy, em que ela trazia o exemplo de entrar em um avião como se adentra uma sala qualquer,
sem analisar todos os fatores de risco que implicam um voo. Ela complementa: “é preciso que saibamos minimamente da morte para que possamos gozar da vida, ou tudo se torna uma verdadeira angústia”.

 
E é neste ponto que eu gostaria de chegar. Há pouco tempo, encontrei um mensageiro da morte. Digo um mensageiro porque agora sei que não era ela mesmo ali, não. Foi justamente em um voo, minutos depois do recalque ter desaparecido para que eu percebesse a insensatez de me encontrar balançando dentro de uma máquina de ferro a 10 mil pés do solo em meio a uma tempestade. Já planei um bocado por este mundo. Passei por diversas situações atípicas em aeroportos e aeronaves e contabilizo inúmeros frios na barriga por conta de turbulências que se julgavam montanhas-russas. Só que, desta vez, foi diferente. Uma hora de sobrevoo e quatro arremetidas somadas a chacoalhadas constantes do vento acobertado por nuvens pesadas me desacomodaram a ponto de visualizar o fim da linha. O barulho da ficha caindo é o silêncio. Aos poucos, as cerca de 200 pessoas que tagarelavam, assistiam vídeos no smartphonesem fone de ouvido e se levantavam vez que outra para ir ao banheiro se calaram, imobilizaram-se nos assentos. Como se a falta de ruídos fosse aliviar o peso da situação. Reparei na concentração ao redor. Deduzi que cada um meditava a respeito do que estava lá embaixo e do que restava ali em cima. No meu caso, grávida de 22 semanas, pensei que gostaria muito de conhecer o meu filho e me confortei, talvez egoisticamente, por estar ao lado do meu marido e dos meus pais no voo. Não me preocupei exatamente conosco, minha mente se voltou para o meu irmão, único integrante da família que estava em terra. Senti aflição por ele e reparei que a morte, na realidade, não é sobre quem vai, é sobre quem fica.


Quando, finalmente, pousamos, depois da quebra de silêncio do piloto, teve choro, reza, gritos e aplausos. O barulho voltou e retive a sensação de que o momento que antecede a morte, ao contrário do que imaginava, tem mais a ver com calmaria do que com agitação. Ufa, não foi desta vez. Recalque reativado com sucesso porque, como reforça Ana Suy, se soubéssemos da absurda fragilidade da vida, não a suportaríamos.