Se fosse possível uma viagem no tempo e pudéssemos voltar a São Sepé do final dos anos 1980, mais precisamente ao fórum da cidade, onde aconteciam os júris, veríamos uma cena que se repetia a cada julgamento. Um menino, com pouco mais de 6 anos, que nem piscava diante do que via acontecer nos tribunais do júri da cidade. Ao lado dele, o avô, tão atento quanto ele, queria sempre desvendar cada mínimo detalhe do caso que estava sendo julgado. Para outras crianças e idosos, a ideia de assistir a um julgamento poderia parecer monótona ou até perturbadora, mas para aquela dupla, isso era pura magia.

Foi assim que o advogado criminalista Daniel Tonetto, 44 anos, foi introduzido ao universo do Direito pelo seu avô, Adão Figueira, um homem simples que sonhava em ter na família alguém que um dia atuasse naquele tribunal. Nasceu ali uma paixão que ultrapassaria o tempo e as gerações, a ponto de, hoje, Daniel Tonetto ser um dos profissionais mais reconhecidos na área, com casos que já ganharam destaque em todo o Brasil.

– Meu avô estudou só até a quarta série, mas tinha uma paixão fervorosa pelo Tribunal do Júri. Assistir aos júris virou uma tradição nossa. A sabedoria prática do meu avô e o seu amor pela justiça me inspiraram profundamente. Ele sonhava em ver alguém da nossa família no Tribunal do Júri. Eu me tornei aquela pessoa – orgulha-se o advogado.

O sucesso de Tonetto à frente do escritório MMT Advogados, onde é um dos sócios fundadores e atua há mais de duas décadas, proporcionou que seu Adão, antes de falecer em 2007, tivesse o privilégio de assistir à maioria dos mais de 300 júris dos quais o neto participou.

“ Era bonito de ver, ele vibrava com aquilo. E trago comigo um carinho muito grande por proporcionar isso para o meu avô. Meu pai foi médico, meu tio era médico e político, minha mãe foi professora de filosofia, mas eu não poderia sonhar com outra coisa que não fosse o Direito. Aquilo era algo que fazia e que, na verdade, até hoje faz os meus olhos brilharem.”


Mas existe um júri especial que não faz parte dessa contagem oficial do currículo do advogado. Trata-se de um simulado, enquanto ainda era aluno do Ensino Médio no Colégio Centenário.

– Quando viemos de São Sepé para morar em Santa Maria, passei a estudar no Colégio Centenário. Lembro que eu pulava a grade do colégio para assistir aos júris, que já aconteciam ali no Fórum. A escola percebeu, mas nunca me puniu, porque sabia que eu ia para algo que seria da minha profissão. Tanto que me formei no colégio e no mês seguinte fiz o vestibular para a UFSM e passei em Direito. Depois, o colégio sempre me convidava para ir conversar com os alunos sobre Direito, e quando criaram o curso na faculdade, virei professor. Algo que nunca esqueci foi uma atividade que nossa professora de história nos proporcionou. Era um júri simulado. Foi o meu primeiro júri (risos).

A profissão também proporcionou algumas conquistas especiais, entre elas a de ter sido professor de sua mãe, Vera Tonetto, que se formou na área anos depois do filho.

Além de um profissional reconhecido e de um professor que há quase 20 anos motiva alunos da Faculdade Palotina, Tonetto também se tornou um grande contador de histórias. Já são 11 livros entre produções próprias e conjuntas.

Na verdade, ele é um verdadeiro viajante literário. Inspirado por obras de grandes autores, já visitou mais de 50 países, trazendo à vida os cenários que leu nas páginas de livros como “O Amor nos Tempos de Cólera”, de Gabriel García Márquez, que o levou às ruas de Cartagena das Índias, e “A Festa do Bode”, de Mario Vargas Llosa, que o guiou até a República Dominicana. Cada viagem é uma busca para sentir e respirar o ambiente onde suas histórias favoritas se desenrolam. E, é claro que, como leitor voraz que é, sempre carrega consigo a obra que inspirou a viagem debaixo do braço.

Nas viagens e na vida, Tonetto conta com uma parceria especial, a da esposa Isadora Raddatz Tonetto, que também é advogada e administradora.

– Considero a família a base de tudo, e nós temos a felicidade de termos unido nossas famílias em uma relação de muita parceria e felicidade. Assim como eu, Isadora gosta de ler, de viajar, de estudar, de desbravar o mundo – comemora.

O PRIMEIRO JÚRI AOS 21 ANOS

Tonetto tinha apenas 17 anos quando começou a atuar como estagiário em um escritório de advocacia. Ele chegou a trabalhar com duas de suas maiores referências no Direito Criminal, Jonatas Piasson e Darcy Mendes de Oliveira. Tanta dedicação não demorou a ser recompensada, afinal, quando tinha apenas 21 anos, realizou seu primeiro júri, mesmo ainda sendo estudante.

– Isso foi possível porque o advogado com quem eu trabalhava ficou doente, então recebi autorização judicial para substituí-lo. Aquele momento é inesquecível.

Além de sua atuação nos tribunais e nas salas de aula, Daniel também serve à Igreja Católica, trabalhando como advogado. Sua fé profundamente enraizada é um pilar que sustenta sua vida pessoal e profissional.

– Considero que a fé é crucial em momentos difíceis. Ela nos dá a força necessária para enfrentar desafios e manter a esperança – afirma.

A disciplina é uma marca registrada de Daniel Tonetto. Ele acorda todos os dias a tempo de, às 6h30min, já estar pronto para escrever até as 8h, um ritual sagrado que mantém com rigor.

– Escrever todos os dias é essencial para mim. Depois de um dia intenso de trabalho ou mesmo de um júri, não consigo render. Por isso, dedico as primeiras horas da manhã à escrita, quando minha mente está mais pronta para se entregar ao processo – conta.

Seu último livro, “Dois Caminhos”, um suspense policial recém-lançado pela AVEC Editora, é um exemplo dessa dedicação. Ele demorou cerca de dois anos para ser concluído, exigindo não apenas escrita, mas também muita pesquisa. Ambientado em Santa Maria, a história acompanha dois meninos do subúrbio em trajetórias divergentes devido às diferentes influências familiares. É um relato denso, que ressoa profundamente com as experiências diárias de Daniel no tribunal.

– Escrevo sobre o que vejo todos os dias. Esses anos todos de trabalho intenso me deram uma perspectiva única sobre a vida e as escolhas que fazemos. Tento transmitir isso em meus livros. No caso de ‘Dois Caminhos’, tem uma característica especial que é a obra se passar em Santa Maria, algo que as pessoas vinham me pedindo e agora aconteceu – diz.

O sucesso de Tonetto como autor é tamanho que suas obras sempre são esperadas por um público fiel. No lançamento de seu livro na Apusm, no mês passado, foram vendidos mais de mil exemplares em um único dia. Na Amazon, o estoque esgotou no primeiro dia de vendas e, segundo o ranking da Bookinfo, na primeira semana, “Dois Caminhos” foi a obra mais vendida entre as ficções nacionais, totalizando 1.190 exemplares. O título foi o terceiro mais vendido mundialmente.

Com um currículo impressionante que inclui especializações, dois mestrados e um doutorado em andamento, Daniel Tonetto não pretende parar de aprender. Ele tem planos de fazer um pós-doutorado na Espanha e continuar lançando livros, tanto no Brasil quanto em Portugal, onde fez muitos amigos e lançou várias de suas obras.

– Acredito que nunca devemos parar de nos especializar. Sempre há algo novo para aprender, e essa busca pelo conhecimento é o que me mantém motivado – afirma.


CORAÇÃO DIVIDIDO ENTRE DUAS CIDADES

Em Santa Maria, a cidade que escolheu para viver, Tonetto já ganhou comendas e títulos, como o de cidadão benemérito, além de ocupar a cadeira número 33 da Academia Santa-Mariense de Letras. Mas ele nunca perdeu o vínculo com a sua cidade natal.

– Com certeza, são as duas cidades mais importantes da minha vida. Em São Sepé, ocupo a cadeira número 25 da Academia de Letras e Artes, já fui patrono da Feira do Livro e recebo reconhecimento pela contribuição à comunidade. São Sepé é onde tudo começou para mim. Nunca vou esquecer minhas raízes – reflete.

Nos tribunais, Tonetto se destaca não apenas por sua oratória, mas também por sua sensibilidade e respeito pelo processo. Ele acredita que a preparação para um júri envolve não apenas uma análise detalhada de todos os aspectos legais, mas também uma organização emocional e física.

– Antes de um júri, leio poesias e livros clássicos para buscar um pouco mais de sensibilidade. É uma preparação cautelosa e vagarosa, porque cada detalhe importa. Além disso, o respeito e a educação de todas as partes são cruciais. Valorizo muito os profissionais que são cultos e educados, isso faz muita diferença – afirma.

Além disso, ele não abre mão de uma alimentação balanceada, acompanhada por nutricionista, e de exercícios físicos com personal trainer.

– Nem todos percebem, mas um júri exige preparação física e emocional, porque, além de tudo que eles envolvem, muitas vezes podem durar dias ou até invadir a madrugada, com mais de 20 horas de duração. Isso exige muito dos profissionais, e por ver o exemplo de colegas que morreram cedo, tomo muito cuidado com a minha saúde– explica.

OLHAR DIFERENCIADO PARA O SER HUMANO

Uma característica que se destaca na personalidade de Tonetto é que ele não só respeita o próprio trabalho e a sua história, mas também a de quem está ao seu redor.

– Toda vez que acontece um crime, alguém perde a vida e outro pode perder a liberdade. Então, é algo que envolve muita dor e merece todo o nosso respeito por todos os lados. É algo que envolve muita sensibilidade, onde não há espaço para a arrogância, porque mexe com os maiores patrimônios das pessoas, que são a vida e a liberdade – destaca.

Com tantos júris realizados, o que não faltam são histórias marcantes em sua carreira. No entanto, duas são lembradas por motivos especiais.

– Tem um caso que me intriga muito até hoje, que é a morte da jovem Daniela Ferreira, de Agudo, que até hoje não acharam o corpo. Acompanhei de perto o sofrimento daquela família não só pelo assassinato, mas por não terem um corpo para se despedir. Isso é algo que me deixa muito chateado – lamenta.

A outra foi a morte de Rafael Mateus Winques, 11 anos, assassinado pela própria mãe, Alexandra Dougokenski.

– Como é o caso de uma mãe que matou um filho, é algo muito triste. Participei representando o pai do Rafael, e o sofrimento daquele pai
e do irmão do menino assassinado foram marcantes.


MAIS OBRAS PELA FRENTE

A carreira de Tonetto como autor já conta com 11 títulos, entre eles a participação em três livros técnicos. Na ficção, já são sete obras: “5 contos sobre o submundo do crime”, “Morte, tráfico e corrupção”, “Crime em família 1: o crime”, “Crime em família 2: o julgamento”, “Crime em família 3: o veredito”, “O Madre Tereza” e, agora, “Dois Caminhos”.

– O livro novo é o que me deu mais trabalho. Não é o meu livro mais extenso, mas ele é denso. Trago a história de dois meninos que vivem aqui, no subúrbio da cidade, ambos em situação de pobreza. A diferença entre eles é que um tem uma família amorosa e o outro, além de não ter esse carinho, sofre a influência de maus exemplos. Por isso, 'Dois Caminhos', por conta dessa criação que eles têm: um escolhe o submundo do crime e o outro escolhe o caminho do trabalho e do estudo. Os dois se reencontram mais tarde, por conta de um crime. Um já é advogado, e o outro está preso – revela Tonetto.

As temáticas das obras trazem à tona muito da realidade que o advogado acompanha em sua rotina.

– São 27 anos vendo isso da manhã até a noite. Esse livro mesmo tem uma parte que é de audiências e numa linguagem simples, para que as pessoas possam entender sem ter informação jurídica, e a outra parte é o julgamento pelo Tribunal do Júri – explica.

Quem já leu as obras anteriores do autor vai perceber que existem alguns entrecruzamentos entre os personagens de “Crime em família”, “O Madre Tereza” e “Dois caminhos”.

– Não foi algo planejado, surgiu aos poucos, mas se tornou importante dentro da minha narrativa – conta o escritor.

No segundo semestre do ano, haverá outro lançamento, desta vez um livro técnico, sobre recursos de processo penal. Além disso, ele já está escrevendo outra ficção.

– Estou trabalhando no projeto do meu novo romance. O mais difícil da ficção é montar os personagens da história, com toda a sua complexidade. Quando começo a escrever, já tenho mais ou menos uma noção do início e do desfecho da história. Mas, depois, vou escrevendo, criando, adaptando – revela.

Daniel Tonetto vive uma vida que harmoniza paixão, disciplina e empatia. Ele é um exemplo de como as sementes plantadas na infância podem florescer em uma carreira cheia de propósito e impacto. Desde as tardes passadas com seu avô assistindo aos júris até hoje, onde ele defende a justiça e escreve histórias que ressoam profundamente com a realidade, Tonetto continua a inspirar aqueles que têm a oportunidade de ter contato com o seu trabalho, seja nos tribunais, seja nas prateleiras literárias.