Toda vez que abre a porta do Arrivo78, restaurante que completa um ano em Vale Vêneto no dia 15 de outubro, Carina Stefanello, 39 anos, não aproveita apenas para respirar fundo o ar puro do local ou para apreciar a linda paisagem do vilarejo de São João do Polêsine – um dos principais cartões postais da região. Ao olhar ao redor, ela sente uma das melhores sensações as quaisuma empreendedora pode ter: a de estar plenamente realizada com a história que está construindo.
– Estar em Vale Vêneto, de alguma forma, mexe comigo. Talvez
seja pela nossa raiz, que também é italiana. Então, é como se, ao
chegar em alguns lugares, eu estivesse na casa da minha avó.
Quem chega aqui é abraçado por uma lembrança do passado.
Existe toda uma questão de arquitetura, de religiosidade, do fato
de a gente estar entre as montanhas, do sino ainda bater ao
meio-dia, e isso orientar as atividades da comunidade. Eu me
sinto em casa aqui. Ainda não moro em Vale Vêneto, mas acho
que não vai demorar para que isso aconteça – diz.
Advogada formada pela Fames, Carina, que é filha de Dineva e de Carlos Stefanello, nunca tinha imaginado trabalhar no ramo
de alimentação. Tudo mudou quando a sociedade que o pai dela mantinha, em uma rede de supermercados, foi comercializada.
Na divisão dos empreendimentos, o núcleo familiar dela ficou com o restaurante Due Fratelli, em Camobi. Na época, ela vivia
em Caxias do Sul, onde trabalhava como bancária.
– Sou natural de São Sepé, onde o meu pai vivia da agricultura. De lá,
tenho lembranças maravilhosas, em especial dessa força do que vem da
terra. Vim com a minha família para Santa Maria com oito anos, quando o
meu pai foi convidado para fazer parte da sociedade de uma empresa. Na
época, como meu irmão e eu já estávamos no colégio, meu pai achou que
isso era uma oportunidade de uma vida melhor para nós dois. Ele atuou
por muito tempo em suas atividades e estava sempre muito envolvido,
porque viajava para fazer as compras dos hortifrútis das lojas. Então, a
gente cresceu vendo aquela dedicação toda dele. Em 2010, quando alguns
empreendimentos foram vendidos, ele me chamou e disse: “mana, a partir
de agora, vai ficar comigo o restaurante, o que tu achas?”. Lembro que, na
época, nós nos olhamos, espantados, porque nunca tínhamos trabalhado
com um restaurante. Mas, com muita coragem, eu disse para ele que, se
era assim, então iríamos assumir esse desafio. Foi aí que começamos
a aprender – e, sem sombra de dúvidas, foi a melhor coisa que fiz –
rememora.
E o desafio foi tirado de letra, porque, para Carina e sua família, a comida sempre foi um motivo de união.
A gente sempre foi de se reunir, e, por qualquer
motivo que fosse, combinávamos de fazer uma janta
juntos, ou um almoço. A minha mãe sempre foi uma
pessoa que teve isso, de reunir as pessoas e de estar
muito presente. Essas reuniões serviam sempre para
a gente se alimentar junto, o que acontece até hoje lá
em casa. Fui criada em uma família em que a mãe
sempre gostou de cozinhar. A minha avó também:
nunca cheguei na casa dela que não tivesse uma
linda mesa posta. É uma família em que a polenta
não pode faltar, a sopa não pode faltar, depois tem o
churrasco, a galinhada. O fogão à lenha é uma coisa
muito presente na minha casa até hoje. E essas são
coisas que, além de terem ficado na minha memória,
eu, com certeza, trago na minha história.
LEMBRANÇAS SÃO O TEMPERO MAIS ESPECIAL
A vida de Carina em Santa Maria é permeada de lembranças. São muitas as do bairro Camobi, onde a família se estabeleceu da escola Lívia Menna Barreto; do Colégio Riachuelo; do Colégio Coração de Maria; dos negócios; dos trabalhos que teve na Minami Motors, na Walter Beltrame e no Unibanco. Lugares onde sempre fez amigos e onde garante que aprendeu muito, não só sobre o mercado de trabalho, mas também sobre as pessoas.
Eu tenho muito da organização da minha
mãe, do cuidado com cada detalhe, desse
querer enfeitar as coisas e cuidar de todo
mundo que chega aqui. Mas, ao mesmo
tempo, tenho muito do meu pai, que é essa
força de entrega de produção e também
de estar sempre rodeada de um monte
de gente bacana, porque meu pai é uma
pessoa que faz lastros de amizade. Ele é
querido por muita gente.
Porém, nesse grande baú de memórias, uma pessoa tem um lugar muito especial. Trata-se do avô Amadeo, que faleceu
com mais de 95 anos, em 2020.
– Eu tive o prazer de conviver com o meu avô em casa. Porque, depois
que a minha avó faleceu, ele veio morar com a gente. Morou com o pai e
com a mãe por mais de 10 anos. A convivência com ele dentro de casa
era deliciosa. A gente rezava o terço juntos, ele lia a Bíblia, falava algo
em italiano, me contava muito das histórias de como eram as coisas
no tempo dele. Posso dizer que sou uma sortuda por ter ele conosco
tanto tempo.
Já, tanto na vida quanto nos negócios, Carina tem um grande aliado, o empresário Vanderlei Azevedo Júnior, 43 anos.
– O Junior sempre foi uma pessoa que me apoiou muito, desde quando
assumimos o Due Fratelli. Há tempos, nós queríamos muito montar um
novo negócio – e isso passava por escolher um bom local, algo no que
ele me ajudou muito. Tanto que, em 100 dias, ele reformou toda a casa
onde instalamos o restaurante Arrivo78. Vale Vêneto entrou no nosso
radar também por estar fazendo parte de um roteiro turístico. A região
está com os olhos voltados para esse viés, que é um nicho de negócio
que a gente acredita muito. Mas não fazíamos ideia de que íamos chegar
aqui e encontrar uma comunidade que nos abraçou tanto, um solo fértil
para boas coisas, para bons propósitos, boas energias... e que o público
ia aceitar tão bem a nossa forma de trabalho. O Vale tem uma energia
boa. Eu não sei explicar, mas me sinto diferente quando estou aqui –
conta.
Segundo Carina, o cardápio do Arrivo78 também foi pensadolevando em conta, além de sua história pessoal, muito da
história da localidade.
– O cardápio tem galeto, tem bife à milanesa... porque a gente conheceu
Vale Vêneto vindo para o Festival de Inverno, para comer o famoso bife.
Tem um suíno que a gente faz com bacon, duas massas, dois risotos,
lasanha, um caldo de moranga com gengibre e mel, sabores que vem lá
da minha infância, quando o meu pai plantava moranga, e eu sempre
achei aquilo muito gostoso. Então, o nosso buffet tem muito a ver com
essa fartura que eu sempre vivi, né? Uma fartura de comidas, mas
também de carinho, de afeto da minha família – afirma.
O Arrivo78 foi pensado nos mínimos detalhes para ser um espaço de aconchego. Ele recebe muitas pessoas por dia – e quem passa por lá percebe o cuidado, como os guardanapos confeccionados pela mãe de Carina para o espaço. A estratégia tem dado tão certo que o restaurante se tornou não só um dos mais concorridos ali naquela localidade, mas um dos mais procurados para confraternizações.
O nome do restaurante, que significa chegada, significado nenhum.
é uma homenagem para os italianos que
chegaram aqui em 1878. Queremos valorizar
muito quem chegou aqui antes de nós.
Para ser sincera, quando pensei no espaço
inicialmente, imaginava ele bem menor. O
Junior que me chamou a atenção de que teria
de ser algo maior. E ele estava certo, tanto que
teremos de fazer ampliações para já. Afinal,
não dá para o pessoal esperar ali fora nos
dias em que está muito frio. O casarão vai
tomar outro formato e o salão de atendimento
vai ser ampliado. A cozinha também vai
precisar de algum ajuste, porque a nossa
demanda exige. Pretendemos que o Arrivo78
se torne um estabelecimento de referência!
Uma das curiosidades do espaço, onde já funcionou ummoinho e uma fábrica de móveis, é que ele foi usado como cenário para o filme “O Carteiro”, de Reginaldo Faria. Como, na época, foi montado um cenário de delegacia no local, há quem pense que ali realmente funcionou um distrito policial. Carina tem um dia a dia agitado por lá: pelo menos quatro vezes por semana se desloca até a localidade, faz as compras para o restaurante, faz as escalas, planeja as mídias sociais, responde o WhatsApp das reservas, organiza e trata das locações para eventos particulares que ocorrem no espaço.
– A minha operação acontece graças a muita gente. Aqui, no Arrivo78,
nós somos 30, mas, no total, chegamos a quase 50 pessoas nos dois
restaurantes. Eu falo sempre que tanta gente já passou e foi importante
para nós... tanta gente ficou conosco por muitos anos. Todo final de
semana, quando reúno a equipe do Arrivo78 antes de a gente abrir a
casa, lembro qual é o nosso propósito aqui. Que não é concorrer com
nenhum outro estabelecimento, pelos quais eu tenho o maior respeito,
e, sim, servir as pessoas para atender com cuidado, com carinho. E
o Arrivo78 é uma oportunidade de emprego para muita gente. Eu não
faço nada sozinha.
UMA HISTÓRIA CONSTRUÍDA A MUITAS MÃOS
Por mais que a rotina seja agitada, afinal, além de administrar os restaurantes, ela cursa um MBA em Gestão de Negócios, há algumas coisas das quais Carina não abre mão. Ela faz questão de ficar no caixa sempre que pode, para estreitar os laços com os clientes, e ela mesma organiza as finanças tanto do Arrivo78 quanto do Due Fratelli. Fora do trabalho, Carina pratica atividades físicas e não troca por nada o horário do chimarrão com os pais.
– A gente tem esse costume de tomar o chimarrão juntos, jantar juntos ou
tomar o café juntos. Para mim, isso é bem especial, porque são pessoas
que entendem essa minha dinâmica e que são fundamentais na minha vida.
Carina também tem se envolvido bastante com o turismo. Hoje,
ela integra a Associação Comercial de São João do Polêsine e está
contribuindo na criação de um roteiro turístico para a região.
– Eu e o Junior gostamos muito de viajar. A gente sempre procura referências
para qualificar a nossa região. Acho que dá para perceber que acredito em
tudo isso que está sendo construído como algo feito a muitas mãos. E dou
muito valor ao que é feito a muitas mãos. Isso envolve as mãos do meu pai
na agricultura quando eu era criança, as mãos da minha mãe que fizeram
a decoração do restaurante, as nossas mãos construindo esse espaço e,
claro, as mãos de quem veio antes de nós e fez de Vale Vêneto o que esse
lugar é hoje – conclui.