Há 30 anos, Nara Pereira Stein, 67 anos, e o marido, Elemar Stein Filho, 70, viram-se num grande aperto financeiro quando a empresa em que ambos trabalhavam fechou as
portas. Com três filhos para criar e sem conseguir um novo emprego, ao desabafar com uma amiga, ela recebeu aquele que talvez tenha sido um dos melhores conselhos que teve na vida: começar a vender seus doces, salgados, bolos e tortas, afinal, “ela tinha mãos de ouro”. O primeiro impulso de Nara foi dizer que aquilo era impossível, afinal, naquela época, esse era um mercado que já tinha nomes consolidados em Santa Maria e região. Foi então que ela recebeu o segundo conselho, tão importante quanto o primeiro: “faz teu nome, o mundo foi feito para todos”.


E foi a isso que ela dedicou três décadas de sua vida: tornar
seu nome uma referência quando o assunto é tortas e doces. A
fila, que se forma diariamente em frente ao estabelecimento,
na Rua Comissário Justo, para comprar os quitutes, é a prova
de o quanto seu plano deu certo.
– Formei os meus três filhos vendendo doces e tortas. Tenho muito
orgulho disso. Sempre tivemos uma família unida e que trabalha
junto. As minhas filhas, quando voltavam da faculdade, passavam
a madrugada ao meu lado ajudando a preparar as encomendas. Eu
tinha até pena, pois chegavam cansadas, e a gente atravessava a noite
trabalhando. Depois, o meu filho deixou um emprego em que estava
muito bem para se dedicar à administração da nossa empresa. Sem
eles, não teríamos chegado onde chegamos – conta Nara.

Janaina, 47 anos; Roberta, 42; e Lucas Stein, 38, hoje tocam
o negócio criado pela mãe que, desde a época da pandemia,
atua apenas como consultora da empresa, ainda que, do
outro lado da rua, da porta de casa, não tire os olhos do
empreendimento que construiu com tanta dedicação.
– Pouco antes da pandemia, passei por alguns problemas de saúde,
não conseguia nem ter forças de atravessar a rua para ir até a empresa.
O dia que eu consegui me recuperar e ir até lá foi um dos mais felizes
da minha vida, eu chorava, os funcionários choravam, eu me sentia de
volta ao meu lugar no mundo – comemora Nara.
A história da doceira, que não tinha a permissão da mãe
para cozinhar em casa e que aprendeu a fazer tortas, doces
e salgados com sua tia, Alba Schwartz, não é uma dessas
polvilhadas com açúcar. Não faltaram dificuldades, desde o
insucesso nas primeiras tentativas de decorar uma torta e de
fazer um merengue, até os desafios econômicos que, mesmo
depois da empresa consolidada, por pouco não fizeram a
tradicional Nara Stein encerrar o negócio.
– O meu pai plantava para fora, e eu fui morar com a minha tia para
poder estudar. Morei com ela 10 anos, e aprendi muito, porque ela
realizava grandes jantares, nos quais ela mesma preparava tudo: os
salgados, os doces e as tortas. A minha mãe não me deixava cozinhar
em casa, mas a tia me ensinou a fazer risoles e a primeira torta que eu
fiz, que foi a Húngara... isso eu devia ter uns 13 ou 14 anos – lembra.
Pão de ló rosa, recheio de creme cetim, abacaxi e leite
condensado com ameixa, a receita que está até hoje muito
viva em sua memória, é uma das mais de 20 que Nara
aprendeu a preparar. Nada mal para quem já chorou porque
não sabia fazer a cobertura de uma torta.
Foi com um lindo sorriso no rosto e misturando sabores e
memórias que a persona da nossa primeira edição de 2024
passou uma tarde com a nossa equipe. Se os olhos de Nara
ficavam marejados ao falar das dificuldades, a cada conquista
compartilhada o sorriso iluminava o rosto da mulher que tem
orgulho em dizer que realizou os seus maiores sonhos: ter
um empreendimento próprio, consolidar seu nome com um
dos maiores em seu ramo de atuação, constituir uma família
unida e construir uma casa melhor para viver. O maior sonho
a partir de agora? Uma vida longa, para aproveitar mais a vida
ao lado do marido, dos filhos e dos dois netos, Lívia, 7 anos,
e Matteo, 3 meses.


MUITO ALÉM DA CONFEITARIA


Se você gosta de doces, precisamos alertar que o que vai ler
em seguida pode causar água na boca. Na conversa com Nara
conseguimos descobrir uma das principais dicas de qualquer
cozinha: a torta preferida da confeiteira. E se você pensa que
nessa hora ela vai se render às memórias afetivas e dizer que é a
Húngara, aquela primeira que ela preparou na vida e também a
primeira que ela vendeu, está enganado. Ao escolher uma torta,
Nara se entrega mesmo é ao sabor: Torta Super Boa (que não é
esta maravilhosa da foto). E o nome já diz tudo: ela leva bolo de
coco, disco de merengue, recheio de chantilly, nozes crocantes,
ovos moles e passas ao licor (suspiros!).

 
– O meu pai foi o meu primeiro grande incentivador. Hoje, como o negócio
está estabelecido, as pessoas pensam que tudo começou assim, mas era
algo bem caseiro, eu não tinha nem um forno maior, e foi assim por muito
tempo, até conseguirmos investir. Quando eu decidi fazer as tortas para
vender, mas elas não estavam saindo, meu pai pegou uma e levou lá no
Esportivo, e vendeu toda ela, então as pessoas começaram a conhecer o
meu trabalho. A partida dele é uma das maiores dores que já tive na vida,
mas eu tenho certeza de que ele deve ter muito orgulho de ver tudo o que
construí porque ele me pedia muito que não desperdiçasse o meu talento e
o nome que eu estava construindo – conta.

A equipe de Nara já entregou encomendas de 60 mil doces e
chega a produzir quinhentas tortas por semana. Uma realidade
muito diferente do início do empreendimento, em 1993.
– Naquela época, a gente começou com cem doces, depois passou para
duzentos. Eu fazia uma ou duas tortas na semana. Quando as coisas
melhoraram, cheguei a 17 tortas, mas a gente não tinha condições de pagar
um funcionário, então toda a família trabalhava, um enfeitava, o outro
enrolava os doces e assim a gente ia. Eu senti que as coisas tinham mudado
quando o Lions fez uma encomenda de 10 mil doces, daí percebi que era
hora de investirmos mais.
E por falar em investimento, Nara confidenciou à Persona que o
valor com que foi comprada a sede da empresa, na verdade era
para realizar o sonho da família de reformar a residência.
– A gente morava em um chalezinho que o meu pai tinha dado quando
nos casamos. Eu só ia alugar a casa ali onde é a empresa. Mas já estava
com a chave na mão quando a dona disse que não ia mais alugar, e sim
vender. Então resolvi comprar. Muito atravessamos essa rua com tortas na
mão porque fazia uma parte do processo na minha casa e o restante lá na
empresa. Nós abrimos lá há 10 anos, foram necessários mais quatro anos
para finalmente construirmos a casa em que moramos hoje. Me me sinto
realizada por ter conquistado mais esse sonho – afirma, emocionada.
Como uma boa receita que não se pode deixar nenhum
ingrediente de fora, Nara consegue, ao mesmo tempo, se orgulhar
da grandiosidade da história que construiu sem esquecer a sua
essência.

Muito chorei porque o chantili das tortas talhava. Era a hora
que eu juntava as mãos e rezava para Nossa Senhora Medianeira,
pedindo a proteção dela para conseguir terminar a encomenda.
O mesmo fiz quando meu marido descobriu um câncer, e diante das maiores dificuldades que já enfrentamos, ela sempre me ajudou. Por isso, sou muito grata a ela!



UM CARNAVAL QUE RENDEU A
CUMPLICIDADE DE UMA VIDA


Nara e Elemar são casados há 48 anos. Ela o conheceu quando
morava com a tia e o via com frequência parado perto da casa
dela, na Rua Vale Machado.
– Só que eu não gostava dele, achava ele “muito chato”. Mas uma noite
eu fui no Carnaval, vi ele e fui chamar para dançar. Eu fiz uma verdadeira
festa na frente dele, e ele me olhava, me olhava, e nada. Então peguei uma
serpentina, cheguei na frente dele, o prendi e saímos dançando. Dançamos
juntos na vida até hoje – diverte-se contando.
Para Nara, na vida, ao contrário das tortas, não existe uma
receita precisa para fazer as coisas darem certo, mas, para ela, a
união familiar foi indispensável para chegar a esses 30 anos de
sucesso da empresa.


Para se ter um bom bolo, é preciso usar
bons produtos. Já para se ter uma boa
doceira, é preciso muito amor pelo que
se faz. Eu amo a cozinha. Até hoje faço
questão de preparar as refeições da minha
família, porque a comida é um gesto de
carinho. Você imagina o que tem nessa casa
que eu mais queria? O ar-condicionado.
Não imagina o que era a gente trabalhando
com chocolate no verão. A minha mãe, que
mora na casa da frente, tinha
ar-condicionado, então a gente levava as
encomendas para lá para poder refrigerar.
As pessoas não imaginam, mas esses 30
anos foram de muito trabalho, de muitas
horas sem dormir, de muita dedicação.
Hoje, o que eu sinto, acima de tudo, é
gratidão. Eu agradeço todos os dias.

A amiga de dona Nara o qual contamos lá no início dessa
reportagem que disse a ela que ela tinha “mãos de ouro”,
realmente não estava enganada. O que ela não imaginava é que
não era somente para o preparo de saborosas guloseimas. Hoje
em dia, com tempo livre da sua fantástica fábrica de doces, bolos
e tortas, Nara tem um hobby em especial: o cultivo de flores,
especialmente rosas e orquídeas.
– É maravilhoso chegar até aqui e poder dizer que consegui realizar todos
os meus sonhos. Agora, é aproveitar, é viver, é estar perto dos meus filhos,
da minha mãe, do meu irmão, do meu marido e de todas as pessoas que
nos querem bem. Fizemos uma festa para comemorar os nossos 30 anos
e conseguimos reunir boa parte dessas pessoas que fazem a diferença na
nossa vida.
Aos 67 anos que, apesar de terem sido dedicados em grande
parte ao trabalho, foram muito bem-vividos, Nara é uma pessoa
cujo sorriso transparece a vontade de temperar a vida com boas
doses de doçura.
– Feliz, acho que isso resume bem o que eu sou, uma pessoa extremamente
feliz – conclu