Entenda o que muda na prática com esse marco no direito das famílias.

O julgamento do REsp 1.817.812/SP pela Terceira Turma do STJ reafirma um entendimento relevante para o Direito das Famílias: o direito à partilha de bens adquiridos durante o casamento ou união estável é imprescritível. Embora tecnicamente consolidada, essa tese ainda encontra resistência prática tanto no Judiciário quanto em tratativas extrajudiciais.
A relatora, Ministra Nancy Andrighi, destaca com clareza que a imprescritibilidade decorre da própria natureza jurídica da comunhão: trata-se de titularidade real, construída pelo esforço comum ao longo da convivência, e não de um crédito sujeito a cobrança judicial. A partilha, portanto, não é uma liberalidade nem uma negociação facultativa, é uma consequência legal da dissolução da sociedade conjugal.
Na advocacia cotidiana, é comum atender pessoas, especialmente mulheres, que não buscaram judicialmente a partilha por medo, dependência emocional, desinformação ou ausência de recursos.
Em muitos desses casos, a parte adversa tenta invocar o tempo decorrido como impeditivo da pretensão. O precedente do STJ desconstrói essa narrativa, reafirmando que a ausência de formalização judicial da partilha não retira o direito à meação.
É importante distinguir, como fez o STJ, o núcleo da partilha de pleitos acessórios (como indenização pelo uso exclusivo de bem comum), que esses sim estão sujeitos à prescrição. O direito à divisão do patrimônio comum, no entanto, permanece incólume ao tempo.
Essa reafirmação jurisprudencial tem forte impacto prático e ético. Em contextos de invisibilização econômica, onde um dos cônjuges não detém formalmente a titularidade dos bens, a imprescritibilidade protege o patrimônio de quem, na prática, contribuiu para sua formação. Evita-se, assim, o enriquecimento ilícito de quem se beneficia do silêncio ou da vulnerabilidade da outra parte.
Além disso, o precedente fortalece a atuação estratégica da advocacia familiarista, permitindo o ajuizamento de ações de partilha anos após a separação, quando a parte encontra-se em melhores condições emocionais e financeiras para pleitear seu direito, sem risco de ver sua demanda extinta pela prescrição.
Cabe a nós, operadores do Direito, esclarecer esse entendimento aos clientes e combater práticas que disfarçam desigualdades sob o argumento do “tempo decorrido”. O REsp 1.817.812/SP é mais que uma decisão técnica: é uma reafirmação da justiça material e dos princípios constitucionais da dignidade humana, solidariedade e igualdade que sustentam o Direito das Famílias.
POR:
DRA GRAZIELLY FRANCO
@g.f.advocacia
ESPECIALISTA EM DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES
SITE:www.graziellyfrancoadvocacia.com.br