A venda de pais para filhos ou de avós para netos, no caso de o filho já ser falecido, não está relacionada diretamente com o direito sucessório, mas com o direito contratual. Se fosse o caso de uma doação, este bem doado “em vida” integraria a herança recebida após a morte do doador. Entretanto, em se tratando de um negócio entre ascendente e descendente, a compra e venda nada tem a ver com a futura herança dos pais para os filhos. É um negócio entre partes capazes, com autonomia de vontade e liberdade contratual. A diferença é a relação de parentesco entre elas.

 
O legislador brasileiro estabeleceu um requisito extra para esse tipo de compra e venda, com a intenção de proteger os demais descendentes e evitar que, a pretexto de celebrar formalmente uma transmissão onerosa, fosse ocultada uma doação ou uma compra e venda com preço abaixo do valor de mercado, em prejuízo das regras da sucessão legítima. Essa exigência extra para a compra e venda de ascendente para descendente, nos termos do atual Código Civil, é o
consentimento dos demais descendentes e do cônjuge do alienante. Isso porque, a partir de 2002, o cônjuge passou a ser herdeiro necessário em todos os regimes de bens do casamento, exceto no da separação obrigatória, caso em que não precisará concordar com a venda. Essa anuência vai demonstrar que todos estavam cientes das condições do negócio, da ausência de fraude e de não estarem sendo prejudicados.

 
Mas o que acontece se os demais descendentes e/ou o cônjuge não anuírem com essa compra e venda e mesmo assim houver a celebração do negócio? Poderá haver a anulação do contrato a pedido da parte interessada, por meio de uma ação anulatória, desde que comprove a falta de consentimento dos demais descendentes e o objetivo fraudulento do negócio (dissimulação de doação ou pagamento de preço inferior ao valor de mercado).
E, no caso de não haver concordância de um ou mais descendentes ou do cônjuge, o vendedor e o comprador poderão obter, por via judicial, o suprimento da vontade dessas pessoas que se opuseram ao negócio, desde que comprovem que a oposição é injustificada, ou seja, não há justo motivo para a discordância por parte do descendente. Precisarão comprovar que, de fato, se trata de uma compra e venda, por preço justo e sem objetivo de encobrir
outro tipo de negócio, como uma doação, por exemplo. A discordância por simples capricho e sem real justificativa pode acarretar o suprimento judicial do consentimento do descendente.

 
Obter a anuência dos descendentes e do cônjuge, se for o caso, é fundamental para garantir a validade e a segurança jurídica da venda. Consultar um advogado especializado é sempre recomendado para a orientação específica sobre cada caso, evitando-se os dissabores e as consequências indesejadas dos planejamentos frustrados.


POR:
PRISCILA ABELLA