Não se trata de julgar aqueles que desejam ser a melhor versão de si mesmos ou que almejam a realização
de seus sonhos, mas é essencial questionar até que ponto a produtividade, como meio para alcançar essas
metas, é realmente eficaz e saudável. Será que estamos, de fato, sendo produtivos ao ultrapassar nossos
próprios limites físicos e mentais? Conseguiremos alcançar nossa melhor versão se essa meta nos leva à
exaustão?
Nesse cenário, não há um “outro” que nos explora: somos nós mesmos que nos submetemos a essa lógica,
cobrando-nos incessantemente e nos culpando por não atingirmos resultados satisfatórios. Ainda assim,
essa busca incessante pelo alto desempenho raramente é questionada ou vista como um problema, apesar
de suas consequências serem evidentes.
No consultório, por exemplo, há estudantes pré-vestibulandos que chegam a estudar 16 horas por dia,
mães multitarefas que afirmam que o dia deveria ter 30 horas, assim como empresários que trabalham 12
horas diárias e se sentem pressionados a palestrar, fazer cursos, manter presença ativa em redes sociais
como Instagram e TikTok, praticar exercícios físicos diariamente e estar presentes na vida dos filhos, do
cônjuge e dos amigos. Muitos recorrem ao uso de substâncias como lisdexanfetamina e testosterona e,
quando adoecem, solicitam antidepressivos na consulta para sustentar esse ritmo. É muito preocupante o
número crescente de pessoas que usam estimulantes sem indicação médica, como um doping, na busca
por produtividade.
As consequências dessa busca desenfreada por alta performance são evidentes: o adoecimento psíquico.
Nenhum cérebro resiste indefinidamente a tamanha sobrecarga e violência. A sociedade adoece mental,
física e socialmente, pois a necessidade de vínculos afetivos profundos é cada vez mais negligenciada
diante da falta de tempo para a conexão consigo mesmo e com os outros. Em seu lugar, surgem interações
superficiais, facilitadas pelas telas de celulares, tablets e computadores. O cérebro se habitua a um fluxo
constante de estímulos rápidos e sedutores – vídeos curtos, mensagens instantâneas, dicas milagrosas,
comparações de “antes e depois”, cursos e mentorias prometendo maximizar o desempenho. O resultado?
Um ciclo de vício em consumo, jogos, gastos impulsivos e uma busca incessante por uma versão
idealizada de si mesmo.
Além disso, percebe-se uma falta de equilíbrio entre trabalho e descanso, assim como uma divisão
desigual das responsabilidades dentro da família. Muitas vezes, o tratamento psiquiátrico é encarado como
uma solução para resgatar o indivíduo do esgotamento, da ansiedade e da depressão – apenas para que ele
volte ao mesmo ciclo vicioso de produtividade excessiva, busca pelo melhor desempenho, maior ganho
financeiro, corpo perfeito e rosto ideal. Nesse processo, ignoramos e desvalorizamos aquilo que temos e
produzimos de forma saudável, lúcida e equilibrada.
O propósito desta reflexão não é criticar aqueles que trabalham e estudam para alcançar seus sonhos ou
ascender socialmente, mas sim trazer à tona um questionamento sobre o modelo capitalista e digital da
pós-modernidade. Esse sistema incentiva e valoriza indivíduos que funcionam como hamsters em uma
roda de laboratório, sempre correndo, mas sem nunca alcançar um estado de satisfação. Como enfrentar
um sistema que lucra com a exploração humana, vendendo cursos, palestras e fórmulas mágicas que
reforçam a suposta “necessidade” de ser produtivo o tempo todo, sob a ameaça de que outro está
trabalhando mais do que você? Além disso, a maioria desses conteúdos é comercializada a preços
altíssimos, explorando ainda mais a ansiedade e a insegurança das pessoas.
É urgente falarmos sobre esse tema para que possamos evoluir em busca de uma vida mais equilibrada e
de qualidade – onde não apenas pareçamos estar vivendo, mas possamos, de fato, viver.
Por: Denise Freitas