
A minissérie britânica Adolescência, lançada pela Netflix em
março de 2025, já é a mais assistida da história da plataforma:
66,3 milhões de visualizações em menos de duas semanas. A
repercussão não se deve apenas ao enredo envolvente — a
história de Jamie Miller, menino de 13 anos levado à delegacia
sob suspeita de matar uma colega — mas à forma como a
série escancara um mal-estar coletivo que resistimos a ver: a
dificuldade de compreender e sustentar o cuidado efetivo aos
adolescentes de hoje.
A adolescência sempre foi uma travessia marcada por mudanças
hormonais e psicológicas rápidas, conflitos, busca por uma
identidade e invenção de novos códigos de comunicação entre
adolescentes. Todas as gerações de adolescentes criaram seus
próprios idiomas — gírias, estilos, gêneros musicais e vestimentas
– que servem para a identificação: “somos da geração de 1980”.
Mas agora, esse idioma é digital. Criptografado por algoritmos,
disseminado largamente por plataformas opacas, alimentado
por influenciadores que escapam aos nossos radares. A famosa
frase dos pais “Com quem você está andando?”, ficou mais difícil
de responder.
A casa da família e o quarto do adolescente, antes considerados
espaços familiares, controláveis e seguros, tornaram-se ambientes
de entrada e permanência de extremismos, discursos de ódio,
misoginia e radicalização. As violências que antes se restringiam
à escola ou ao bairro hoje ganharam o mundo virtual. Onde os
adolescentes podem descansar dos confrontos? Onde podem se
sentir seguros e amparados diante das suas inseguranças quanto
a sua aparência? Os ambientes virtuais os acompanham sempre
- estão nas palmas de suas mãos e são vorazes.
A solidão que marca os adolescentes do nosso século é
hiper conectada, silenciosa e muitas vezes imperceptível. Os
adolescentes recuam frente ao diálogo na escola, se afastam de
seus pais e exigem privacidade, mas mantêm-se acessíveis aos
jogos estimulantes, aos discursos doutrinadores, às imagens
repetidas à exaustão em vídeos curtos, aos fóruns bélicos de
comunidades digitais e comentários anônimos, frequentemente
violentos.
Por isso, não podemos esquecer: adolescentes buscam
pertencimento. Sempre buscaram. O problema é que, sem
mediação, essa busca os leva a grupos que oferecem sentido e
acolhimento em troca de ódio. Jamie, o personagem da série, não
nasceu violento.
Foi capturado por discursos que se disfarçam de verdades
libertadoras e que se propagam sem que os adultos percebam.
Esses discursos se apresentam como “a verdade que ninguém
quer dizer” — e encontram meninas e meninos desorientados,
solitários e famintos por orientação emocional.
Como psicóloga e psicanalista, tenho escutado mães e pais
esgotados, confusos e culpados. Como mãe de duas crianças e
de um adolescente, eu me sinto preocupada. Não sabemos mais
como acompanhar nossos adolescentes. E não é por negligência.
É porque esse acompanhamento exige providências de cuidado
institucional e uma escuta radical — que tolere o estranho,
legitime a experiência emocional e invista no contato íntimo. E isso
não é fácil para ninguém.
É urgente criar momentos reais de conversa nas famílias, nas
escolas e nas instituições de saúde. É urgente que os adultos
atendam às necessidades dos adolescentes e se interessem por
eles com curiosidade e respeito - mesmo que pareça estranho ou
desconfortável. A escuta verdadeira precisa acontecer antes do
colapso. As mudanças sutis — no comportamento, no vocabulário,
nos hábitos — podem ser pedidos de ajuda. Precisamos também
exigir das plataformas digitais mais responsabilidade diante do
que elas promovem, sugerem, normalizam. É necessária uma rede
firme para criar adolescentes em tempos tão violentos e velozes.
A adolescência não pode ser tratada como uma bomba-relógio
ou como uma fase a ser vencida. Há muita beleza nesta etapa
da vida humana: potente, sensível e politicamente relevante. Se
não conseguimos sustentá-la é porque a sociedade inteira está
falhando em oferecer espaços onde seja possível existir com
dúvida, contradição e desejo.
Você não tem um “aborrescente” em casa. Você tem um
adolescente aprendente — um indivíduo em travessia, que
necessita de tradução, sustentação e presença, mesmo
que ele peça outras coisas.
POR:
CRISTINA SALING KRUEL
@cristina.kruel