Algumas pessoas, por mais que tenham uma vida bem agitada, dividida entre viagens, reuniões, família e o trabalho, carregam a tranquilidade na voz e no olhar. Flavio Cabreira Jobim, 65 anos, é assim. Seja para contar sobre uma das maiores descobertas atuais, a de ser avô, ou para falar dos planos de um dos empreendimentos criados por ele, a Unicred Ponto Capital, atingir uma cifra de R$2 bilhões até 2025, sua fala carrega a serenidade de quem sempre deu passos muito seguros ao longo da vida e se orgulha de cada um deles.

Quem está acostumado a conviver com o médico, sempre com seus ternos impecáveis, talvez fique surpreso ao encontrá-lo no traje de ciclista, pedalando entre Santa Maria e a Quarta Colônia. Talvez seus pacientes não imaginem, contudo, que após chegar em casa tarde, depois de um dia exaustivo, ele não abra mão de ter um momento de sossego antes de dormir, nem de assistir a um bom filme na televisão. O descanso é merecido para quem tem uma vida tão agitada. O sono tranquilo é o de quem sabe que faz a escolha das pessoas certas com quem trabalhar e, além disso, sempre investiu na formação delas, para que desenvolvam o seu melhor potencial.

Casado há 38 anos com a dermatologista Neicy Mara Ritterbusch de Oliveira Jobim, quem conheceu na época em que ambos estudavam Medicina na Universidade Federal de Santa Maria, Jobim é pai da advogada Fabiana, 34 anos, e da estudante de direito Giovana, 24 anos e, agora, avô do Heitor, de apenas 8 meses. – Está sendo uma fase de muitas descobertas. A Fabi ficou boa parte desses últimos meses lá em casa, pois estava trabalhando remotamente, e isso nos proporcionou ter um momento maravilhoso de convivência com o nosso neto. Ser avô é diferente de ser pai, são novas descobertas – afirma. A rotina profissional do doutor Flavio é bem agitada: reuniões na Unimed, onde é o diretor de Tecnologia da Informação; acompanhamento do Grupo Diário, do qual é um dos sócios; planejamentos na Unicred Ponto Capital, do qual é um dos idealizadores e o presidente; consultas com seus pacientes, cirurgias, muitas viagens e representações das empresas nos eventos. Porém, ele garante que, por maior que seja a correria, não se sente cansado e, muito menos, pensa em parar: – Às vezes, as minhas filhas dizem que preciso diminuir o ritmo, mas é difícil. Quando a gente se acostuma assim, tem uma vida agitada, é difícil parar ou diminuir esse ritmo. O momento de parar é quando se está cansado ou irritado com o trabalho. Quando me perguntam como faço tanta coisa, sempre digo que é porque trabalho feliz, trabalho e opero todos os dias e não canso.

O que se percebe, ao conversar ou observar o trabalho de Flavio Jobim, é que ele tem, em sua essência, algo que cada vez mais ganha corpo quando se fala da medicina, a questão da humanização dos atendimentos. O médico, que praticamente encerra cada frase que fala com um sorriso, lida, diariamente, com casos que envolvem câncer de mama. E se o diagnóstico é um dos mais severos que uma mulher pode receber, o tratamento, ele procura que tenha o apoio que só os melhores profissionais conseguem oferecer. – O câncer de mama é aquele que tem maior incidência no país. Muitos casos podem ser prevenidos com informação e com tratamento precoce. Mas, outros tantos precisam de cirurgia e, até mesmo, da reconstrução das mamas. É muito gratificante poder colaborar com essas pacientes. Sabemos que, quando muitas delas chegam a partir do sistema público, a doença já está avançada, e é justamente para poder ajudá-las que estamos sempre em evolução – assegura.

A INFÂNCIA EM SÃO GABRIEL

Ter a oportunidade de ouvir as histórias de Flavio Jobim é perceber como cada passo da vida dele foi dado com planejamento e cuidado. Nascido em uma fazenda do interior de São Gabriel, os irmãos e ele receberam dos pais, Adão Gonçalves Jobim e Maria Cabreira Jobim, ambos já falecidos, um conselho importante: buscar profissões que garantissem que teriam uma vida melhor do que aquela que o campo era capaz de proporcionar.

Somos seis irmãos e, naquela época, a agricultura era muito artesanal. Desde cedo, nós aprendemos a dirigir os tratores e a ajudar na lavoura, porque os funcionários que trabalhavam na propriedade faziam as tarefas durante o dia, e nós assumíamos à noite. O que me impressiona muito daquele tempo é que o meu pai tinha estudado pouco, só até o quarto ano, porém ele comandava aquilo tudo, fazia os cálculos de nivelamento da lavoura, administrava os funcionários, e eram muitos, uma vez que era tudo feito manualmente. Eles criaram, por lá, até uma moeda própria, que era o Vale Guarani, um tipo de recibo que chegou a ser aceito no armazém que ficava a seis quilômetros de lá da fazenda. Eu olhava aquilo tudo, que um homem tão simples era capaz de fazer, com muita admiração.

O núcleo da vida da família, naquela época, estava em Tiarajú, localidade onde moravam, tanto que a bisavó dele, Flávia Fagundes Cabreira, era quem fazia os partos por lá, e foi, inclusive, quem fez o dele. – Acabei recebendo esse nome por conta de ela ter feito o meu parto. Entretanto, para seguir o conselho dos pais, foi preciso ultrapassar as porteiras do local. Todos começaram estudando em uma pequena escola, com quatro séries na mesma sala. Depois das séries iniciais, os irmãos foram estudar em uma escola maior, no centro de São Gabriel. – Tivemos de ficar morando em uma pensão antiga, onde os donos eram conhecidos da nossa família. Existia aquela coisa de nos cuidar, porque todos se conheciam. Quando a aula terminava no sábado, já tinha uma caminhonete esperando para a gente passar o final de semana com a família. Aquilo era muito bom.

Dessa época, minha melhor recordação é passar as férias na fazenda. Os primos iam para lá e a gente brincava todos juntos. Esse convívio: o futebol, o banho no açude, os passeios a cavalo, a pescaria, aquela liberdade que a gente tinha, é algo que deixou saudade. Interessado em fazer vestibular para a Universidade Federal de Santa Maria, Flavio achou que era hora de procurar uma escola que fosse referência de ensino. – Sempre estudei em escola pública. Queria estudar em Santa Maria para terminar o ensino científico, que hoje corresponde ao ensino médio, e, depois, prestar vestibular. E foi assim que, em 1977, comecei a estudar no Maneco. Naquela época, os cursos eram profissionalizantes, e eu fiz o técnico em laboratório. Matérias como matemática e física não eram muito estimulantes, então, o meu desempenho era um desastre. Enquanto isso, tinha uma professora que era estudante de medicina e dava aula para nós de genética, a Marlei Segabinazzi. Eram aulas maravilhosas! Aquilo ia causando um encantamento na gente pela área de saúde e de ciências. Foi assim que decidi ser médico – relembra. Como não passou no primeiro vestibular, ele achou que era hora de se dedicar mais à física e matemática. Para isso, fez vestibular para essas duas áreas, na antiga FIC, hoje Universidade Franciscana. Naquela época, ainda que não fosse o grande gestor de hoje em dia, Flavio Jobim já mostrava que tinha um olhar especial sobre como administrar problemas e solucioná-los para atingir os objetivos os quais almejava alcançar. – Existia uma carência de professores, então, logo que entrei, já fui convidado a dar aulas. No ano seguinte, quando fiz vestibular de novo para medicina, as duas disciplinas que antes tinham me eliminado, agora, tornaram-se fáceis pra mim. Então, passei.

O AMOR PELA MEDICINA

Na faculdade, além do amor de sua vida, Neicy, Jobim também conheceu outra paixão, que foram os estudos sobre o câncer de mama. Foi assim que fez especialização em ginecologia e obstetrícia, em ginecologia oncológica e em mastologia, além de mestrado e doutorado em Ciências Médicas. Ainda, buscou cursos de aperfeiçoamento em diversas cidades brasileiras e, até mesmo, fora do país para trabalhar na área. A exemplo disso, fez o de reconstrução de mamas em São Paulo. Antes mesmo de se formar, ele já havia feito estágios e residências no Rio de Janeiro e Porto Alegre, sempre buscando se qualificar cada vez mais. A corrida em busca de qualificação fez, muitas vezes, estar longe de casa em momentos importantes, como no nascimento das filhas. Ainda assim, Jobim garante que ele e a esposa sempre procuram ser pais bastante presentes. – Quando a nossa primeira filha nasceu, eu era residente, e era muito difícil, conseguia ir a Santa Maria a cada 15 dias. Por mais que tivéssemos funcionários que nos ajudassem, era muito difícil para nós. Entretanto, nós dois somos médicos, e essas são áreas competitivas, em que é preciso estar sempre nos atualizando. Então, aquilo tudo era por um bem maior. Até hoje, colhemos os frutos daquele esforço que fizemos – afirma. Logo que conseguiu voltar para Santa Maria, Jobim abriu sua primeira clínica no edifício Ugalde Fração. Era um consultório bem mais simples do que aquele onde, há 10 anos, recebe seus pacientes na Policlínica Wilson Aita. Além de clinicar, ele se interessava por dar aulas e viu uma excelente oportunidade quando a UFSM contratou médicos na época de uma grande greve na instituição. Jobim passou na seleção e, inicialmente, passou a trabalhar como obstetra. Depois, em 1995, quando surgiu um concurso para professor, ele foi aprovado e passou a lecionar anatomia.

A convivência com os alunos é algo muito bom, a gente aprende muito. Quando consegui, pedi a transferência para o hospital com o intuito de assumir a oncologia pélvica. Mas, sou muito grato pela oportunidade de ter aprendido tanto com os alunos.

VOCAÇÃO AO EMPREENDEDORISMO

Quem fez sua leitura até aqui, já observou que Flavio Jobim procura aproveitar muito bem cada oportunidade que tem em sua vida. O cooperativismo, o qual passaremos a abordar a partir de agora, foi mais uma delas. Desde que começou a atuar como médico, em Santa Maria, ele se envolveu com a sociedade médica, foi presidente da Sociedade de Medicina, ajudou a remodelar o espaço da entidade, comprando maquinário e transformando o local em um lugar mais agradável para seus sócios. E não parou por aí. Ao ingressar na Unimed, ele conheceu mais do que uma cooperativa, compreendeu que aquele era um olhar diferente para todos os pontos da área da saúde. – A Unimed me ensinou toda a essência do cooperativismo. Ela me motivou a estudar gestão de cooperativas e lá, por gostar de tecnologia, acompanhei uma evolução tecnológica fantástica. Comecei na área de tecnologia com uma pessoa, um computador daqueles 146, que era a maior inovação da época, e um telex. Ver como tudo isso se transformou, chegando ao ponto de, hoje em dia, todos os consultórios estarem em comunicação direta com a Unimed, é impressionante – assegura Jobim, o qual, até hoje também faz parte do conselho da Unimed. O olhar empreendedor e essa nova visão dos negócios, a partir de um ponto de vista cooperativo, também despertaram a vontade de fazer mais pelos médicos na perspectiva financeira. E foi assim que nasceu a Unicred, que acaba de completar 25 anos.

Eu estava em um curso em São Paulo e vi que alguns colegas usavam um talão de cheques diferente, fiquei curioso e quis saber o que era. Eles explicaram que tinham um negócio próprio, voltado para os médicos. Eu tinha um pouco de noção de que tudo aquilo que a gente gerava de recursos ia para um banco, que cobrava as taxas e ganhava dinheiro com o nosso trabalho. E fiquei me perguntando, diante de tudo aquilo que vinha aprendendo sobre cooperativismo, se não podíamos, por aqui, também ter essa independência dos bancos, beneficiando-nos mais com isso. Na viagem de volta para casa, já comecei a pensar naquilo que, depois, tornou-se a Unicred.

Porém, quando ele começou a falar sobre a sua ideia, nem todos acreditaram nela. – Muitos disseram que era loucura – conta com um sorriso que não esconde o orgulho de ter mostrado que estavam errados.

Doutor Flavio e os primeiros médicos que começaram a se somar a ele na ideia de construir a Unicred começaram a correr atrás do que era necessário para fazer o empreendimento começar. – Fui atrás ver o que existia, como funcionava, havia um advogado que entendia de cooperativas e o convidei para participar conosco, porém tive que explicar que ainda não tínhamos capital. Não havia como remunerá-lo. Foi o mesmo que tivemos de fazer com os outros profissionais que foram se somando àquele sonho de construir a Unicred. Nós precisamos seguir toda regulamentação do Banco Central, e isso não foi nada fácil, mas conseguimos começar com 36 médicos e com um capital inicial de R$18 mil porque cada associado colaborou com R$500, sendo R$250 à vista e o restante parcelado – conta. Esse grupo inicial teve de colocar muito a mão na massa para a Unicred dar certo.

ENXERGANDO O FUTURO

Quem entra no moderno prédio da Unicred Ponto Capital, em Santa Maria, na Rua Pinheiro Machado, ou em qualquer uma de suas 10 agências nos mais de 16 pontos de atendimento distribuídos em unidades até em grandes cidades do Nordeste, como é o caso do Recife, tem até dificuldade em imaginar as dificuldades daqueles primeiros tempos. No entanto, uma antiga mesa de madeira, com uma Olivetti em cima, na sede de Santa Maria, relembra como foi aquele primeiro período, durante o qual ainda era preciso provar a cada médico que o trabalho realizado ali era sério

– Quando a gente não tinha nada, o mais difícil foi convencer as pessoas a confiarem no que estávamos criando. Nós mesmos fomos testando cada funcionalidade que criamos. Quando um de nós viajava, dava um cheque, avaliávamos se todo o processo dava certo e corrigíamos o que não ia bem. Se outro colega ia para outro lugar, usava o cartão. O primeiro empréstimo foi feito pelo doutor Flávio Brum, para testarmos se tudo dava certo. Assim, a gente foi indo e, aos poucos, ganhando a credibilidade e a confiança dos cooperados. Hoje, o sistema Unicred RS conta com R$7,7 bilhões em ativos e R$4,9 bilhões em crédito. A gente tinha ideia e ambição de crescer, mas não imaginava a posição em que estamos hoje, porque foi um início muito pobre para o todo que conseguimos construir – orgulha-se. Inicialmente, a Unicred era aberta somente para os médicos. Depois, o negócio foi ampliado para toda a área de saúde e, hoje em dia, recebe cooperados das mais diversas áreas, interessados nas facilidades e segurança que ela oferece.

Foi uma longa caminhada, porém chegamos ao sistema de governança, com um conselho estratégico. Se antes o conselho fazia tudo, hoje os diretores são do mercado, o que nos dá segurança de estarmos fazendo sempre o melhor.

Ao chegar aos 25 anos, os projetos da Unicred são ousados. – A nossa chegada ao nordeste aconteceu em um momento que mostramos que no sistema financeiro habitual o lucro gerado fica com o banco ou, muitas vezes, vai até para fora do país, já a cooperativa visa desenvolver ela própria e a sociedade. Começamos por Recife, contudo fomos nos expandindo por Petrolina, Caruaru, Garanhuns. Queremos criar uma faixa de desenvolvimento no Nordeste. Os próximos desafios serão unidades em Olinda, Jaboatão dos Guararapes, João Pessoa e Maceió. Todo esse crescimento se dá sem nos esquecermos de Santa Maria e da região onde todo o negócio surgiu. – Aqui em Santa Maria, queremos transformar o ativo, que hoje é de cerca de R$900 milhões, em R$2 bilhões até 2025. Além disso, vamos continuar desenvolvendo e modernizando tudo por aqui. Para quem começou com uma Olivetti, é um crescimento e tanto! – diverte-se. Perguntar a receita de sucesso, tanto na vida pessoal quanto da própria Unicred, é ouvir de Flavio Jobim um “segredo”, o qual não aprendeu nos cursos que fez no Canadá, na Alemanha ou nos Estados Unidos, e sim ainda lá entre as porteiras de São Gabriel:

Para qualquer coisa dar certo, precisamos nos dedicar ao máximo, fazer tudo com muito planejamento e, acima de tudo, com muito amor pelo que se faz.