Calma! Isto não é um spoiler. Este é apenas o início do filme, acredite. Cena que vem logo após entendermos que Yusra e Sarah são filhas de um nadador frustrado por não realizar o sonho das Olimpíadas em função da guerra. Para compensar, tratou de treiná-las, incansavelmente, nas piscinas de Damasco para que alcançassem o objetivo por ele. Bem, minha ideia não é tagarelar a impressionante e importante história (verídica) do filme, mas compartilhar um momento específico que me tocou diferente. Lá pelas tantas, enquanto esperam o visto de trabalho chegar à Alemanha, as irmãs são transferidas de um abrigo caótico em Berlim para um centro de treinamento de natação. Nessa situação, as duas conversam com o primo, Nizar, que fugiu da Síria com elas e com quem vinham caminhando de mãos dadas até ali. Desenrola-se um diálogo mais ou menos assim: Nizar, com certa irritação: “Eu nem queria ter vindo. Agora, vocês estão aqui, confortáveis, e eu sigo lá, enclausurado naquele abrigo.” Yusra, com ar de lamentação: “Se ao menos você nadasse...” Nizar, enfático: “É, se ao menos eu nadasse.”

Acredito que o exercício consequente desta conversa é refletir sobre como a gente investe o nosso tempo. Em quê. Com quem. Como. O que garantiria o meu espaço em um ambiente lotado? O que me torna ímpar na multidão? A resposta vem do gatilho de outra pergunta complexa: em que eu sou bom?

Com água? Com palavras? Com pessoas? Com números? Dia desses, escrevi um texto despretensioso nas redes sociais sobre carreiras múltiplas – pessoas que atuam em vários segmentos, sem profissão claramente definida, ou que mudaram a rota tradicional – e recebi uma enxurrada de grandes histórias. A exemplo da advogada que virou pastora, da psicóloga que resolveu trabalhar como artesã e da mulher que decidiu criar uma empresa de transportes personalizados para crianças a partir de uma necessidade própria. São escolhas legítimas para além da garantia do crachá e do canudo que geraram melhores resultados a partir de um reconhecimento íntimo.

É aquela velha história do dom e da habilidade. Um, outro ou ambos. Todo mundo tem. Cabe a gente furungar, como se diz no Sul, até encontrar ou desenvolver e, então, trabalhar para condicionar. A dedicação ainda anda colada ao sucesso, não tem jeito diferente. Aprendi com Yusra Mardini que, para nadar bem, é preciso treino, foco, persistência e se manter na raia. Para todo o resto, também.