Brenè Brown, pesquisadora canadense especialista em vulnerabilidade, destacou, em seu mais recente trabalho, Atlas do Coração – em livro ainda não publicado em português, mas disponível em série na HBOMax –, que, ao todo, lidamos com 87 sentimentos e experiências diferentes. No entanto, a maioria das pessoas entrevistadas provou só conseguir identificar três destes: felicidade, tristeza e raiva. Ou seja, tudo é despejado nos mesmos balaios – e sabemos que é assim que a roupa branca volta cor-de-rosa depois de uma rodada na máquina de lavar.

Analisando de longe, cheguei à conclusão de que o mais escorregadio e sorrateiro deles é a vergonha. Porque da vergonha, definitivamente, ninguém quer lembrar. Ninguém quer falar. Só se pensa em engavetar. E é justo na falta de acolhida desta senhora que tantos mal-entendidos eclodem. Não me refiro, aqui, ao constrangimento de cair de bunda no meio da rua, sair do banheiro com um papel higiênico grudado no salto e arrastar pelo salão de festas ou ministrar uma palestra com uma casca de feijão em um dente incisivo. Não, não, trago à tona aquela sensação forte que aperta o peito, cria um buraco no estômago e tende a nos diminuir a ponto de querer se enfiar embaixo do edredom e dormir para sempre. Estado quase sinônimo de ressaca moral para quem é de beber doses alcoólicas além do socialmente viável.

É vergonha de não saber. Não conseguir. Não entender. Não se sentir capaz. De desistir. Recair. Errar. São nestes momentos que, invadidos por uma sensação de incapacidade e impotência, procuramos disfarces em outros sentimentos. Reagimos com grosseria e rispidez, em um estímulo de raiva, quando alguém critica algo que acreditávamos que estava correto ou, pelo menos, entregue na nossa melhor versão. Mentimos ou encobrimos determinada situação embaraçosa para tentar evitar o julgamento, vestindo a carapuça do medo, em busca de uma autodefesa ilusória. Rimos compulsoriamente da gente, mesmo sinalizando um deboche para mostrar uma personalidade bem-resolvida e se adiantar a qualquer gracejo alheio que possa resultar em acanhamento. São fachadas engendradas que tendem a desmoronar em consequências autodestrutivas: conflitos, falta de vínculo e desconexão.

O que se sabe é que o melhor jeito de liquidar com a vergonha é envergonhando-a. Expondo-a. Normalmente, acompanhada de um pedido de desculpas, uma sinalização por ajuda ou um simples desabafo a respeito de um entrave qualquer. A vergonha gosta de combate, olho no olho e transparência. Curva-se para quem a identifica, mas se empodera contra os fugitivos em noites de insônia em prol de vivências mal-acabadas. Sentir vergonha, ao contrário do que nos foi apresentado em tom intimidador ao longo da vida, não é ruim. Quando reconhecida e assumida, é um ato de coragem e provoca importantes pontos de recomeço.