Juliana passou a infância e a adolescência em Tupanciretã. Em meio à propriedade rural, tornou-se a menina arteira que disputava com os primos os campeonatos de corrida de bicicleta no barro, para desespero da economista Rosangela Nascimento Silveira e divertimento do pecuarista Mariano Gomes da Silveira, já falecido. – Quando eu tinha um ano, passei por um problema de saúde e precisei ficar seis meses internada. Acho que aquilo mexeu muito com a minha mãe e a forma com a qual eu seria criada. A família do meu pai era de mais posses, a da minha mãe, não. Ela fez questão de me criar com noções sobre a importância da humildade. Ela tinha lutado muito para poder estudar, por exemplo. Por isso, bem cedo, ela me inscreveu em um projeto que auxiliava crianças carentes. Eu ia para lá para ajudar a servir comida, participar das oficinas para crianças. Isso foi muito importante, porque me revelou um universo que, até então, eu não conhecia e me trouxe humildade suficiente para aprender que todos os seres humanos são iguais – conta Juliana.

A relação com os pais foi sempre de muito carinho, mas também de grandes cobranças. Juliana era inscrita pela mãe em todas as atividades que Tupanciretã era capaz de oferecer: balé, inglês, computação, natação, CTG. – O meu pai sempre foi uma pessoa mais amorosa, e a minha mãe, por sua vez, a que era responsável pelas cobranças. Quando ele faleceu, ela precisou ter muita coragem: assumiu a fazenda e a granja Quatro Coqueiros, que temos em Jari. Ser uma mulher administrando esses negócios em um universo tão machista, do interior, não foi nada fácil, e eu tenho uma admiração por ela que nem consigo explicar – emociona-se Juliana. Só houve um momento na relação entre pais e filhos que estremeceu os laços, que eram tão fortes, e ele implica totalmente na história que estamos contando. Ainda adolescente, Juliana escolheu o universo das artes, e os pais não concordaram. Sabiam que, para brilhar, ela teria de ir embora para grandes cidades, e não eram esses os seus planos para a filha única.

– Meus pais enlouqueceram com a ideia. Mas, em 2007, uma amiga, que trabalhava no programa do Faustão, avisou-me sobre um teste para Malhação. Mesmo cheia de receios, eu me inscrevi. E passei. Eu ia viver a personagem Domingas, que marcou época por uma questão de empoderamento feminino e deu tão certo, que durou três temporadas. Ela acabou sendo interpretada pela Caroline Figueiredo, porque os meus pais não deixaram eu ir. Foi horrível, ainda mais para uma adolescente, aceitar aquilo – lamenta. Passado o baque de não dar seguimento naquele sonho, Juliana resolveu fazer vestibular e passou para Fisioterapia, na Universidade de Cruz Alta. Segundo ela, desde o início, tinha muito foco em desenvolver um trabalho com reabilitação. Após formada, procurou prefeituras do interior para trabalhar com saúde do trabalhador. Porém encontrou as portas fechadas para o trabalho de uma jovem recém-formada. Até que, em Toropi, em conversa com a administração municipal, surgiu a ideia de abrir uma pequena clínica, já que a cidade não tinha esse tipo de serviço e precisava dele, principalmente para os idosos, que, na época, precisavam ser encaminhados para outras cidades.

– Comecei a trabalhar com saúde do idoso e me apaixonei por eles, em especial pela forma que fui acolhida. Eu cuidei deles, mas eles também cuidaram daquela guria que chegou lá morando num quartinho nos fundos da clínica onde trabalhava. Eles foram maravilhosos comigo, especialmente quando o meu pai faleceu. No dia em que fui embora e precisei me despedir, foi muito difícil – relembra. A família também é algo muito importante no universo de Juliana. Ela conheceu o marido, o investidor Walmir Marques, 40 anos, em uma festa em Santa Maria. Foi amor à primeira vista. Quando ele começou a trabalhar em Santa Catarina, para poderem se ver, ela aproveitou e estudou no estado vizinho, desenvolvendo suas especializações, mestrado e doutorado, todos eles voltados para a atenção aos idosos. Era uma época de uma rotina bem corrida, porque ela seguia atendendo em Toropi três vezes por semana, morava em Santa Maria e estudava em Santa Catarina.

– Quando eu descobri que estava grávida do Gabriel, decidi que ia continuar trabalhando em Toropi até o último minuto que eu pudesse. Até os oito meses de gravidez, eu ia para lá, e as pessoas já estavam assustadas, diziam que ele ia acabar nascendo na estrada e me lembravam que a cidade não tinha hospital para o parto. Quando ele nasceu, eu precisei parar de ir, porque ele estava passando mais tempo com outras pessoas do que comigo, eu não estava conseguindo ser mãe. Aquilo me doeu muito, porque eu tenho um imenso carinho pela cidade e, em especial, pelos idosos que atendi lá. A gente acaba se apaixonando pelas pessoas – afirma. Hoje, quando olha para Gabriel, de 5 anos, e os dois fazem artes, como montar barracas pela casa e brincar com as cadelinhas Ophelia e Regina, Juliana tem a certeza de que tudo valeu a pena. Em Santa Maria, primeiro, ela começou a dar aula de pilates em uma clínica de amigos; depois, aprendeu funcional e ampliou suas atividades. Quando saiu da empresa, distribuiu cartões pelo bairro inteiro, oferecendo seu serviço de atenção aos idosos. Começou, então, a formar uma clientela, com quem guarda amizade até hoje.

 – Quem vê a Nye hoje, com tudo criado especialmente para os nossos pacientes, não imagina todas as dificuldades que passamos. Inaugurar a clínica no ano passado foi a realização de um sonho, mas de um sonho que começou com um ventilador velho, que mal dava conta do calor de Toropi – orgulha-se. Não é por acaso que o nome da clínica significa recomeço. Ela foi o recomeço de Juliana - e também é o de muitas pessoas que buscam o atendimento lá. – Recomeçar é difícil, porque é preciso fazer escolhas, mas é muito importante, e, para muitos, significa a chance mais esperada na vida. Por isso, abrimos, no ano passado, como uma clínica de saúde e estética, mas nos tornamos um spa multiprofissional, que conta até com serviço de oncologia – revela. Oncologia, dermatologia, nutrição, psicologia e fisioterapia de saúde da mulher são alguns dos serviços que fazem parte dos spas oferecidos a quem procura a Nye. – Aqui, nós trabalhamos com o acolhimento. Porque, por exemplo, quando alguém descobre que tem câncer, perde o chão e precisa, acima de tudo, de cuidado.

Foi isso que também, recentemente, fez-me aposentar o jaleco e cuidar só da administração da Nye: quero garantir, cada vez mais, que aqui as pessoas tenham o melhor atendimento – diz Juliana. A mulher apaixonada por sua profissão, e que se encanta em preparar uma boa macarronada aos quatro queijos para o marido e o filho nas horas vagas, há muito tempo aprendeu que, na vida, tanto recomeçar quanto fazer tudo com amor fazem cada dia valer a pena.